quinta-feira, 8 de julho de 2010

Sindicatos, Estado e poder

Ao longo da história, especialmente a partir da revolução industrial, grupos de trabalhadores criaram sindicatos visando melhorar as condições de trabalho, reduzir jornadas extenuantes e aumentar seus salários e remunerações. A literatura mundial é ampla em demonstrar e superexploração do trabalho (inclusive infantil) no início da sociedade capitalista, o que justificaria o impulso operário naquele momento histórico. E a postura assumida, muitas vezes de confronto, apoiava-se na percepção da luta de classes que dominava a estratégia sindical e, em última instância, visava extinguir ou reduzir a influência do fator capital na produção econômica.

No Brasil, os primeiros sindicatos organizaram-se a partir de lideranças ideologicamente influenciadas por ideários anarco-comunistas, a exemplo de militantes do antigo Partido Comunista Brasileiro – PCB.  Esses trabalhadores atuaram diretamente na fundação de sindicatos, visando não somente a conquista de questões específicas de sua categoria, mas como projeto de poder num espectro mais amplo – “a conquista de poder político do aparato estatal pelos trabalhadores”.

Embora o Estado Novo tenha arrefecido o sindicalismo brasileiro, os trabalhadores organizados estiveram presentes não somente nas lutas corporativas, mas sobretudo, nas principais questões populares que advieram da construção do Estado Brasileiro. O que o Brasil se tornou hoje - o atual estágio civilizatório  - tem relação direta com o esforço coletivo de milhares de pessoas organizadas a partir dessas conquistas históricas.

Ainda que possa não parecer, é nesta construção que se insere os movimentos que organizaram o funcionalismo público. Porém, neste caso, com algumas especificidades. Ao contrário do trabalhador da iniciativa privada, que claramente vê as contradições sociais oriundas da produção econômica, os aspectos injustos da distribuição da riqueza e a luta entre capital e trabalho, os trabalhadores vinculados ao aparato Estatal, muitas vezes, sentem-se distantes destas questões e/ou acima de tudo isso. E se o distanciamento ocorre com o servidor público em geral, a distância parece ser ainda maior se consideramos aqueles trabalhadores públicos bem remunerados, elevados a patamares que os colocam acima das questões de subsistência.

Um dos sentimentos que poderia explicar o distanciamento do funcionário público é a impressão de que a sociedade é “o meu patrão”. Nesta visão, a sociedade traduz-se numa categoria homogênea, sem contradições e/ou interesses antagônicos, mas que representa os anseios populares “do bom e do justo”. Contudo, se partimos do pressuposto de que a sociedade não é homogênea e de que há em seu seio uma constante luta de interesses, ou mesmo, de classes, poderíamos afirmar que o aparato Estatal tende a se mexer para o status quo da classe que a domina. Neste sentido, em ultima instância, também o funcionalismo público tenderia (sem necessariamente querer) a enxergar a sociedade e a exercer seu poder a partir dos olhos da classe dominante.

Partindo desta lógica e trocando em miúdos, faz um certo sentido que membros do controle, por exemplo, garantam as repactuações contratuais quando auditam licitações públicas, ou que os servidores do INCRA ajam assegurando a propriedade privada dos fazendeiros, ou que os funcionários do Banco Central ajam garantido a cobrança de juros aos rentistas. Cumprindo leis, o funcionalismo age assegurando o status quo da classe dominante.

Sindicatos de trabalhadores, mesmos os ligados ao aparelho estatal, sempre foram instrumento de defesa de direitos e na conquista de poder político dos trabalhadores, a partir dos pressupostos que existem contradições na sociedade. Ocorre que hoje, por uma série de circunstâncias, alguns sindicatos não querem mais agir nesta linha. Isto é, ou já internalizaram o olhar dominante ou simplesmente tentam se colocar acima de tudo isso.

Pessoalmente, não dissocio o mundo dos que vivem do trabalho, quer no âmbito estatal, quer na iniciativa privada. Todos são trabalhadores, bem remunerados ou não. E o fato de existência destes últimos e de tantas outras desigualdades e injustiças nos impõem desafios históricos de alcançarmos outros patamares civilizatórios. Sindicato e servidor público podem ser atores de mudança de qual Estado e de qual sociedade precisam ser mantidos ou construídos, só que conscientemente.