sexta-feira, 12 de novembro de 2010

Carcará e Corrupção

A operação “Carcará da Bahia”, a qual desarticulou uma organização que supostamente desviava recursos públicos por meio de fraudes em licitações, superfaturamento e não entrega de produtos e serviços, representa algo que didaticamente precisa ser internalizado pelos cidadãos, empresários, funcionários públicos, agentes políticos e representantes das diversas instituições.

Deflagrada pela Polícia Federal, em parceria com o Ministério Público Federal e Controladoria-Geral da União, a operação prendeu mais de quarenta pessoas, dentre elas, sete prefeitos, e buscou documentos em 21 prefeituras do interior do Estado da Bahia.

Conforme amplamente noticiado, a investigação teve início a partir de uma denúncia protocolada no Departamento de Inteligência da Polícia Federal. Do fato em si, o primeiro ensinamento diz respeito ao papel do cidadão no controle e no combate à corrupção. A Convenção das Nações Unidas Contra à Corrupção incentiva o fortalecimento de canais institucionais para que o cidadão assuma este tipo de protagonismo. E, tanto agindo diretamente por meio de denúncia, quanto coletivamente pelo exercício participativo em movimentos populares, comitês de bairros, associações e conselhos sociais independentes, o cidadão pode exercer um controle efetivo sobre as ações do Estado.
 
A segunda lição diz respeito à crescente integração dos órgãos que enfrentam a corrupção no Brasil. É exemplo disso a Estratégia Nacional de Combate à  Corrupção e à Lavagem de Dinheiro – ENCCLA, movimento que congrega diversos órgãos do executivo federal e estadual, da justiça, do ministério público, tribunais de contas com intuito de compartilhar informações, simplificar procedimentos e propor medidas que tornem eficaz o desenvolvimento de políticas públicas com o foco nestes crimes. Para além de vaidades inter-organizacionais, ao que tudo indica, o fórum vem acertando do ponto de vista conceitual e acaba por refletir no caráter prático-operacional de seus integrantes. A tríade PF, MPF e CGU na operação “Carcará da Bahia” reflete esta postura.

Numa outra vertente é necessário se repensar o papel do empresariado quando do relacionamento com o setor público, especialmente nas compras governamentais. Se por um lado, o Estado burguês reconhece e legaliza lucros decorrentes de transações envolvendo a iniciativa privada e o setor público, por outro não consente acordos “extra-muros”, isto é, comportamentos empresariais que por meio de associação e pactuação prévia geram cartéis de fornecedores em prejuízo de toda população. Ao que parece, a prática está arraigada no relacionamento empresarial junto ao setor governamental em todos os níveis de governo e em todas as áreas, independente de valores envolvidos. Aponta nesta direção, a recente denúncia da existência de um possível acordo por grandes empreiteiras na  construção da linha do metrô de São Paulo noticiada pela imprensa.

Por fim, alguns agentes públicos, tanto de setores administrativos quantos políticos, parecem ainda não compreender que estamos num Estado Republicano, em que a coisa pública deve ser gerida sob zelo, transparência e economia. E a existência de cargos comissionados, baixos salários e  falta de treinamento aos efetivos ou mesmo a ausência de financiamento público de campanha não podem ser utilizados para justificar a busca de vantagens econômicas indevidas e facilidades burocráticas, pois em última instância, estas variáveis também são produtos do próprio desvirtuamento das finalidades públicas.

Independente da proporção e valores envolvidos na conduta de cada um dos agentes públicos e privados ora investigados,  o que se apresenta para a sociedade é mais um (infelizmente) suposto esquema de corrupção. E no caso, quanto valeria merenda digna na escola para formarmos gerações alfabetizadas? Este questionamento é apenas um dos que devem ser feitos para um debate sério sobre os problemas referentes à corrupção. É necessário discutir causas e consequências, com variáveis de aspectos culturais, econômicos, psicossociais e políticos, com foco para além da estrutura municipal, mas abarcando polícia, justiça, congresso e a mídia, nos estados e na união. Se, do ponto de vista da ciência política o Estado se transforma quando seu sistema se degenera, a corrupção brasileira é exatamente a representação fiel desta necessidade.