quarta-feira, 10 de dezembro de 2014

Equilíbrio na CGU

A Controladoria-Geral da União (CGU), órgão central de controle interno do Poder Executivo Federal, vive entre o mar e o rochedo. De um lado, o justo anseio da sociedade em lutar contra a corrupção, buscar qualidade no gasto público, transparência e participação nos meios decisórios. Do outro, a institucionalidade governista que demanda efetividade na gestão de programas federais, sob o manto do presidencialismo de coalização. Isto é, o arranjo institucional envolvendo mediação entre executivo e parlamento, sob risco da perda de sustentação política.
Se a Presidenta Dilma Rousseff atende a sociedade quando afirma “não roubar, nem deixar roubar” ou que o aparato investigativo do governo é independente”, também apara arestas com a coalizão governista quando faz vetar o caça às bruxas de forma indiscriminada, sem prudência e direito ao contraditório. Nos 12 anos à frente da CGU, seja como Secretário Executivo ou Ministro do Controle e da Transparência, Jorge Hage soube liderar dois mil e quinhentos auditores de carreira na busca por esse equilíbrio. Talvez, sua formação jurídica (juiz aposentado) e características políticas (ex-constituinte e ex-prefeito de Salvador) o tenham ajudado na justa medida entre técnica e política. É bem verdade que o próprio Hage, como já assinalara em entrevistas, contou com auditores da CGU altamente especializados e que fizeram honrar cada centavo do subsídio que os remunera.
Conquanto, dada sua carta de demissão (enfatizada no último 8 de dezembro, em evento comemorativo ao dia Internacional contra a corrupção),  a pergunta que fica é: quem liderará a CGU, seus programas de governança e anticorrupção? Quem mediará técnica e política, e ficará entre o mar e o rochedo?
Antes de nomes, sugerimos discutir atributos essenciais ao futuro(a) Ministro(a): a) notórios conhecimentos em direito, contabilidade, economia, auditoria e gestão pública; b) conduta ilibada, não ter sido condenado(a) ou responder processos por condutas impróprias ou irregulares; c) Isento(a) de conflito de interesses — diretos ou indiretos — com Órgãos e Ministérios a serem fiscalizados/auditados pela CGU, d) Tempo e experiência mínimos na Administração Pública e e) Capacidade e cultura de diálogo com a sociedade.
Esperamos possam chegar à Presidenta da República e sua equipe esses requisitos indissociáveis ao cargo de Ministro da CGU. Além disso, a carreira Finanças e Controle, que existe desde 1987, tem discutido a necessidade do Secretário-Executivo pertencer aos quadros de auditores da CGU, dentre aqueles do último nível profissional (classe especial IV), com experiência e conhecimento notórios para apoiar o(a) próximo(a) Ministro(a). Essa justa reivindicação é uma analogia aproximada da escolha em lista tríplice de representantes da Procuradoria-Geral da República e dos Reitores das Universidades Federais ou, mais recentemente, do cargo de Diretor-Geral do Departamento da Polícia Federal, conforme Lei nº 13.047, de 2 de dezembro de 2014.  
Enfim, a CGU tem sido um Órgão importante no cenário nacional fiscalizando programas, obras e recursos públicos, que envolvem gestões de Ministros, servidores de outras carreiras do serviço público e fornecedores de bens e serviços. Há que se ter cautela e prudência na sucessão do Ministro Hage, bem como na escolha do Secretário-Executivo. A direção não pode ser política, nem técnica demais. Muito menos representar uma única visão de mundo. É necessário equilíbrio na CGU.  
 
 

domingo, 30 de novembro de 2014

Onde está o “custo Brasil”?

Reiterados artigos e matérias televisivas dão cobertura à pauta empresarial que exige redução do “custo Brasil”, cujo significado seria o custo adicional em produzir e distribuir bens, insumos e serviços no país. Mas há um ponto escondido no debate: a lucratividade implícita na produção, distribuição e comercialização dessas mercadorias.

Em geral, o segmento empresarial desloca o campo de visão para dois ou três macro fatores: 1) alta carga tributária, cuja incidência sobre a produção e comercialização tornaria mais caros os produtos no Brasil que no exterior; 2) carência em infraestrutura, que dificultaria a produção ou distribuição, aumentando também o custo total por falta ou precariedade de estradas, portos, aeroportos e outros recursos logísticos; 3) custo do capital, isto é, custo cobrado nos empréstimos com fins produtivos (compras de máquinas e equipamentos ou expansão do parque industrial).

A partir dos três problemas levantados a comunidade empresarial tem conseguido: desonerar a folha de salários, receber isenções de impostos e flexibilizar direitos trabalhistas (no que tange ao aspecto 1); aumentar a participação na gerência e administração de serviços e patrimônio públicos, por meio de rodadas de concessões e privatizações (aspecto 2); e obter vultosos subsídios nos empréstimos concedidos pelo BNDES e outros bancos públicos, a exemplo do Plano Safra do Banco do Brasil (aspecto 3).

Porém, o que se esconde é que se em dois países “A” e “B” a carga tributária, o grau de infraestrutura e custo de empréstimos for semelhante, mas a taxa de lucro embutida nas mercadorias e insumos for diferente (digamos, média de 10% em “A” e 30% em “B”), os preços relativos no mercado nacional e internacional também serão diferentes. Ou seja, na discussão sobre “custo país”, a taxa de lucro importa e deve entrar na conta!

Diariamente comparamos preços de veículos no Brasil e no exterior, em desfavor aos brasileiros. O mesmo ocorre com produtos e serviços de tecnologia, como celulares, filmadoras e laptops. Os serviços de telefonia e internet no Brasil têm preços acintosos. Há algo errado, mas não são vilões exclusivos a carga tributária, a infraestrutura e o custo dos empréstimos, como querem nos fazer crer.

Durante a crise mundial de 2008, subsidiárias e montadoras de veículos brasileiras abasteceram suas matrizes estrangeiras com remessas de lucros. O mesmo ocorreu com diversos bancos e empresas estrangeiras aqui instaladas. Isso significa que lucros acumulados ao longo de alguns anos e reservas financeiras retidas estavam suficientemente altos para suportar a crise (interna) e ainda ajudar países de origem. Vale lembrar, lucros e reservas originários de transações no país.

Outro fator que atesta a alta taxa de lucro no país é o índice de desigualdade – somos um dos países mais desiguais do planeta. E o que é a desigualdade econômica senão concentração de renda e riqueza nas mãos de poucos? E o que é a desigualdade econômica senão fruto da repartição desproporcional da renda de lucros, aluguéis e juros versus o que é apropriado pela massa dos trabalhadores e o conjunto dos sem renda? Dados evidenciam: a taxa média de lucro no Brasil permanece ferozmente alta, ano após ano!

Quase não nos atemos, mas grande parte das distorções do chamado “custo país” e dos problemas econômicos e sociais brasileiros podem ser vistos sob a rubrica que consta na última linha de demonstrativos contábeis das grandes empresas: “resultado/lucro do exercício”.