domingo, 30 de novembro de 2014

Onde está o “custo Brasil”?

Reiterados artigos e matérias televisivas dão cobertura à pauta empresarial que exige redução do “custo Brasil”, cujo significado seria o custo adicional em produzir e distribuir bens, insumos e serviços no país. Mas há um ponto escondido no debate: a lucratividade implícita na produção, distribuição e comercialização dessas mercadorias.

Em geral, o segmento empresarial desloca o campo de visão para dois ou três macro fatores: 1) alta carga tributária, cuja incidência sobre a produção e comercialização tornaria mais caros os produtos no Brasil que no exterior; 2) carência em infraestrutura, que dificultaria a produção ou distribuição, aumentando também o custo total por falta ou precariedade de estradas, portos, aeroportos e outros recursos logísticos; 3) custo do capital, isto é, custo cobrado nos empréstimos com fins produtivos (compras de máquinas e equipamentos ou expansão do parque industrial).

A partir dos três problemas levantados a comunidade empresarial tem conseguido: desonerar a folha de salários, receber isenções de impostos e flexibilizar direitos trabalhistas (no que tange ao aspecto 1); aumentar a participação na gerência e administração de serviços e patrimônio públicos, por meio de rodadas de concessões e privatizações (aspecto 2); e obter vultosos subsídios nos empréstimos concedidos pelo BNDES e outros bancos públicos, a exemplo do Plano Safra do Banco do Brasil (aspecto 3).

Porém, o que se esconde é que se em dois países “A” e “B” a carga tributária, o grau de infraestrutura e custo de empréstimos for semelhante, mas a taxa de lucro embutida nas mercadorias e insumos for diferente (digamos, média de 10% em “A” e 30% em “B”), os preços relativos no mercado nacional e internacional também serão diferentes. Ou seja, na discussão sobre “custo país”, a taxa de lucro importa e deve entrar na conta!

Diariamente comparamos preços de veículos no Brasil e no exterior, em desfavor aos brasileiros. O mesmo ocorre com produtos e serviços de tecnologia, como celulares, filmadoras e laptops. Os serviços de telefonia e internet no Brasil têm preços acintosos. Há algo errado, mas não são vilões exclusivos a carga tributária, a infraestrutura e o custo dos empréstimos, como querem nos fazer crer.

Durante a crise mundial de 2008, subsidiárias e montadoras de veículos brasileiras abasteceram suas matrizes estrangeiras com remessas de lucros. O mesmo ocorreu com diversos bancos e empresas estrangeiras aqui instaladas. Isso significa que lucros acumulados ao longo de alguns anos e reservas financeiras retidas estavam suficientemente altos para suportar a crise (interna) e ainda ajudar países de origem. Vale lembrar, lucros e reservas originários de transações no país.

Outro fator que atesta a alta taxa de lucro no país é o índice de desigualdade – somos um dos países mais desiguais do planeta. E o que é a desigualdade econômica senão concentração de renda e riqueza nas mãos de poucos? E o que é a desigualdade econômica senão fruto da repartição desproporcional da renda de lucros, aluguéis e juros versus o que é apropriado pela massa dos trabalhadores e o conjunto dos sem renda? Dados evidenciam: a taxa média de lucro no Brasil permanece ferozmente alta, ano após ano!

Quase não nos atemos, mas grande parte das distorções do chamado “custo país” e dos problemas econômicos e sociais brasileiros podem ser vistos sob a rubrica que consta na última linha de demonstrativos contábeis das grandes empresas: “resultado/lucro do exercício”.