terça-feira, 22 de setembro de 2015

Ter déficit não é o problema

Há uma desonestidade intelectual gigante no debate sobre as finanças públicas brasileira, chegando, em alguns casos, a má fé mesmo. A grande mídia, dia após dia, minuto após minuto, entrevista de forma majoritária pensadores, economistas e agentes do mercado que são unânimes em afirmar e repetir para nós cidadãs(os) comuns: "o governo gasta muito", "o déficit público estrutural é a causa da crise".

Indo na contramão deste consenso, tenho a dizer que todas as grandes economias e países: EUA, Inglaterra, Alemanha, França, Japão, Índia, Rússia, China dentre tantos outros tem déficits em suas contas. O Brasil, portanto, não é caso isolado. O Brasil, portanto, não é ponto fora da curva.
O que esses comentaristas não esclarecem (e omitem com um propósito específico) é como esses países financiam seus déficits. 


No Brasil, e aí temos um grave problema, o déficit é financiado por um pequeno grupo de bancos e fundos estrangeiros que há décadas cobram taxas extorsivas, verdadeiros lucros indevidos. Em economia, denomina-se "oligopólio" a esse pequeno grupo de financiadores que detém o poder de formar preços. Assim como o cartel das empreiteiras na Petrobrás que ajustou qual taxa de retorno adicional deveria cobrar para ganhar altíssimos contratos com dinheiro público e, com isso, repartir entre envolvidos, os financiadores do déficit brasileiro agem livremente para arrancar do país e de seu povo recursos com as maiores taxas de juros do mundo, por décadas a fio. Há quase vinte anos, dentre as 10 maiores empresas, 50% delas são bancos. Nada mais evidente.


 Compreender que a dívida pública tem uma dinâmica própria e autônoma a partir desse mercado oligopolizado é entender porque não é só (- receitas) x (+ despesas) que a crise social foi instalada, desde que nos constituímos enquanto país.


 Não me chamem para um consenso criado, sem que isso seja revelado.

terça-feira, 16 de junho de 2015

Minha primeira tevê

Era de caixa de sapato
Colocada em pé
Seu fundo tinha um buraco
Um recorte, em forma de quadrado
Surgia uma caixa de proteção.

Um espeto de churrasco
Atravessando as bordas laterais
Um rolo de papel higiênico sustentado
Formava o tubo de imagem
E uma tela de projeção.

No papel, gravuras e desenhos
foram colados
E a cada giro do espeto
Uma cena se passava
A voz da mãe historiava
Nascia a Programação.
Minha primeira tevê
Não tinha antena, cabo ou eletricidade
Não era LED e LCD, mas Liberdade
Analógica e da última Geração
Era feita de amor.

segunda-feira, 11 de maio de 2015

Causa e Consequência


Em recente coluna publicada na Folha de São Paulo em 03/05, sob o título “Consequência, não causa”, Henrique Meirelles abordou o porquê das taxas de juros no Brasil serem tão altas.

Depreende-se do articulista que a percepção dos agentes financeiros sobre o quadro econômico e político, como inflação, mudanças governamentais, compromissos com a austeridade e metas apontam o cenário de calibragem das mesmas.

Se o governo segurar despesas públicas, fizer sucessivos superávits ou perseguir metas inflacionárias de forma consistente, as taxas de juros cairão naturalmente dentro dos ciclos monetários. Então, conclui: taxas de juros são consequências, não causas.

Meirelles esquece, mas a percepção de agentes econômicos não é, de modo nenhum, neutra. Negaríamos todas as pesquisas e prêmios que relacionam expectativas e vieses interpretativos na economia.
Agentes econômicos lucram, exatamente, com incertezas. E com a profusão de indicadores que circulam no mercado brasileiro (inflação de serviços, de alimentos, de preços administrados; taxas de câmbio, diária ou projetada em 30, 60, 90 ou 360 dias; nível de emprego e produção, em suas centenas de variantes e setores) por que diminuir a taxa de risco se os próprios especuladores perderão com isso? Afinal, não haverá algum índice específico, um pouco pior, para basear-se?

Outra questão é a velocidade. Diante do quadro de incertezas (criadas, reforçadas ou especuladas), lucra-se mais, baixando os riscos, de forma lenta, segura e gradual. Por que os agentes financeiros baixariam taxas de juros em ritmo de fórmula 1, se podem fazê-lo caminhando, onde se lucra mais, por um longo período, com menor esforço? Ora, amigos, não existem cordeiros na Bovespa, nem em Wall Street.
A calibragem nas taxas, cujas consequências oneram o Tesouro Nacional com despesas de juros, aprofundam as mazelas sociais ou desenvolvem o país. Ela deseduca, se reduz recursos com educação. Mata, se comprime despesas com saúde. Será causa das desigualdades sociais, se disputa espaço orçamentário com setores essenciais e estratégicos da nação.

 

sábado, 28 de março de 2015

Ajustes e Arrochas

"A inviolabilidade das grandes propriedades, das fortunas, das heranças e do capital especulativo não é uma boa música de ouvir. Um dia esse som há de ser desligado".

Quando falta dinheiro em casa, procuramos saídas ou dançamos. Famílias de rendas médias ou altas excluem almoços fora de casa, bebidas e lazer aos finais de semana, economizam luz, telefone e repensam a tv por assinatura. A roupa nova e a troca do aparelho celular só no semestre seguinte e as viagens são adiadas. Numa outra vertente (a da receita), tentam obter uma grana extra, seja prestando serviço ou se desfazendo de itens como roupas,... acessórios e utilidades domésticas. Não à toa brechós estão em alta.

Por sua vez, famílias com rendimentos baixos ou que vivem no limite do básico da existência não tem muita gordura para queimar. A rotina social e afetiva muda, e muito. Em seus lares, excessos quase não existem e quando o negócio aperta para valer, o jeito é o apoio familiar (a solidariedade das receitas com doações), a venda de cosméticos, bicos aos finais de semana ou a luta por aumento de salários. Na ponta da despesa, a procura pelo aluguel mais barato, o chute para cima na prestação e a constante ausência física em casamentos, batizados e festas afins. 


Tanto numa, quanto noutra situação, qualquer ajuste requer tomada de decisão - que pode ser socialmente referenciada ou não. 


Com uma ou outra exceção, pelo que se tem visto, o padrão médio dos que estão no topo da pirâmide brasileira tende a preferir, por exemplo, demitir empregadas e contratar diaristas (negociando o preço para baixo), ao invés de retirar vinhos e jantares aos finais de semana. Seria uma indicação do nosso grau de fraternidade? 


E os governos, o padrão é o mesmo? Parece que sim. No Brasil, por cerca de quatro séculos, pessoas dos estratos altos é que vêm tomando decisões políticas e econômicas. Levy, Katia Abreu e Armando Monteiro são facetas dessa hegemonia. E não estão sós. 


Em ritmo de arrocha, esse grupo prefere retirar o abono salarial dos trabalhadores, cortar a pensão por morte de homens e mulheres jovens, retirar recursos da educação e da saúde pública a reduzir subsídios de Ministros, Juízes, Procuradores, Deputados e Senadores, a cobrar o imposto sobre grandes fortunas, a taxar especuladores estrangeiros com alíquotas progressivas de Imposto de Renda ou, verdadeiramente, taxar latifúndios com o Imposto sobre propriedade Territorial Rural. A austeridade, como se vê, tem lado, sempre teve.
 

Neste ritmo, a massa dos trabalhadores está dançando sobre ajustes e arrochas. Mas, a inviolabilidade das grandes propriedades, das fortunas, das heranças e do capital especulativo não é uma boa música de ouvir. Um dia esse som há de ser desligado.

terça-feira, 24 de março de 2015

Diálogos Econômicos


Filha: - Pai, por que tá faltando comida na geladeira?
Pai: - É que paguei hoje uma das prestações do banco.
Filha: - O senhor já pagou tantas e ainda deve mais que o original. O senhor sabe quais juros e encargos destas prestações?...
Pai: - Não. Foi o gerente quem calculou. Mas ouvi da Miriam e do Sardenberg que o sistema financeiro quer aumentar ainda mais os juros.
Estômago embrulhado e vazio, faz-se silêncio.
Até quando?

segunda-feira, 16 de março de 2015

Devolve, Gilmar!

Há um mal estar geral, uma crise, política e econômica, que é conjuntural e estrutural. No Brasil, os partidos tradicionais e seus líderes são pegos em financiamentos ortodoxos e, noutros casos, corrupção escancarada. O congresso, em sua ampla maioria, descolado que está das bases sociais (fruto da assimetria do poder econômico e financiamento empresarial) deslegitima-se. Setores ditos progressistas não se entendem, o que confirma a complexidade da conjuntura. No mundo, 1% da... população concentra mais da metade da renda e riqueza. O escândalo "Swissileaks", que descortinaria a lavagem de dinheiro, os paraísos fiscais e a expropriação de todo o tipo de crime, inclusive a evasão de divisas, é tangenciado.

A literatura demonstra que turbulências políticas paralisam ou criam dificuldades ao mundo dos negócios e do lucro. Se isso é verdade, não soa inverossímil que setores dominantes (os mesmos que sempre ganharam muito no Brasil), querendo manter a extorsão econômica secular, troquem peças do jogo. Tudo mudaria para nada mudar. Como tragédia ou como farsa, a história se repetiria (daí porque, há entre petistas e eleitores da Dilma, a sensação de golpismo). O terceiro turno, nesse ponto de vista, ocorreria mais como uma medida preventiva (de estabilidade econômica dos setores dominantes), que de uma confrontação real de seus próprios interesses em disputa. 


Por sua vez, depois de uma eleição tensa, fruto de desconstrução, de mentiras (para todos os lados), os eleitores dos candidatos tradicionais derrotados ainda não deglutiram a derrota nas urnas. Ocorre que também não parecem muito preocupados em enfrentar os mesmos que sempre ganharam muito no Brasil, mas somente a parte visível e governista deles. Na média, acreditam que tirar o PT ou fazer o "Fora Dilma" já seria suficiente para "uma nova política", "mais limpa" (deve até pensar alguns). Doce ilusão. 


A luta contra a corrupção é de todos, não só de quem usa camisa verde ou amarela. Passa também pelos que usam vermelha, limão ou salmão. Ou quem sabe, seja a própria representação da bandeira LGBT, com seu arco-írís. 


A saída da crise passa pela política e não por sua negação ou violência. 
Mas, afinal, qual política?  Uma política cujo congresso elege presidentes como Renan e Eduardo Cunha? Uma política de cunho autoritário como foi a de caráter militar, que censurou, torturou e cassou mandatos legítimos? Decididamente, não. 

Alio-me àqueles que desejam uma reforma política, com caráter democrático, com participação popular e apoiada numa coalizão que diz: "basta de financiamento empresarial nas eleições!".
E, antes de entoar o coro do "Fora Dilma!", prefiro dizer: "Devolve, Gilmar!"

terça-feira, 3 de março de 2015

Que dívida é essa?


"O Brasil não promoverá ao seu povo justiça e soberania sem rever o relacionamento com o sistema financeiro, nacional e internacional.”

Joana e Paulo não se conhecem. Ela, uma jovem comerciária do interior de Goiás. Ele, um sexagenário carpinteiro do Rio Grande do Sul. Assim como milhões de brasileiros, Joana e Paulo são trabalhadores comuns - nunca operaram na bolsa de valores, não sabem o que é swap reverso ou atuaram como personagens do filme “O lobo de Wall Street”. Ambos, porém, são afetados pelos que agem dessa forma, especulando na ciranda do sistema financeiro da dívida pública.

Em janeiro de 2011, Joana e Paulo resolvem aplicar uma quantia de recursos que guardavam em casa (os dados são reais). Joana efetua um depósito de R$1.518,31 na caderneta de poupança. Paulo, aconselhado pelo filho, adquire um título público do governo federal brasileiro, por exatos R$1.518,31.

Sem precisar assinar contrato, Joana, aplicando na poupança, em verdade, empresta dinheiro ao banco, que promete devolver-lhe acrescido de juros. No invisível acordo, há cláusula que diz: “Joana, caso queira desistir de nos emprestar, no todo ou parte, pode sacar seu dinheiro a qualquer hora. Nosso banco, contudo, não pagará juros sobre o montante resgatado. Juros integrais serão incorporados somente se o dinheiro permanecer em nosso poder, por 30 dias corridos”.

Paulo, em sua transação, empresta R$1.518,31 ao governo federal. Ao entregar suas economias, obtém em troca um título público do governo - algo similar a uma nota promissória, com vencimento no futuro. O título (papel) fica na posse de um intermediário do sistema financeiro (banco, corretora de valores, etc.), que pela guarda cobra um percentual sobre a transação. O título de Paulo é reconhecido e garantido pelo Estado e leis brasileiras, cuja promessa é reembolsá-lo, com juros incorporados numa data determinada.

Joana e Paulo não são agiotas ou vivem de rendas. Isoladamente, Joana não dita quanto o banco terá que reembolsá-la pelo dinheiro depositado na poupança. Paulo também não define quanto o governo federal deverá remunerá-lo, por meio de juros. A taxa acordada é conhecida e previamente fixada na transação, mas não diretamente por Joana ou Paulo.

São bancos e grandes agentes do sistema financeiro (esses sim, que ganham com juros e especulações) que fixam e influenciam quais taxas serão cobradas ou pagas nos empréstimos às Joanas, Paulos, aos governos e demais instituições. A lógica do sistema é: quanto menos pagar juros sobre o dinheiro recebido das Joanas, empresas e governos (que pode ser “taxa zero”, por exemplo, se utilizarem saldos mantidos em contas correntes, que não oferecem remuneração), e quanto maior a taxa cobrada nos empréstimos aos governos, demais organizações e à população em geral, maiores serão seus ganhos.

Em nosso exemplo, o depósito (empréstimo) de Joana ao Banco, por meio da caderneta de poupança, lhe renderá R$329,74 em três anos, alcançando o montante de R$1.848,05. Ou dito de outra forma: o banco pagará à Joana 21,71% de juros pelo depósito/empréstimo realizado. Paulo, neste intervalo, pelo empréstimo de mesmo valor, R$1.518,31, ao governo federal, receberá R$694,36 de rendimento. Isto é, em janeiro de 2014, seus recursos alcançaram o montante de R$2.212,67, obtendo 46,12% de juros. Sobre os valores de Paulo incidirão imposto de renda e a taxa anual cobrada pelo agente financeiro por manter o título guardado. Contudo, do ponto de vista líquido, Paulo sai, praticamente, com o dobro do ganho de Joana.

Em termos microeconômicos, Paulo não definiu ou teve poder em definir qual taxa de juros o governo lhe pagaria. No dia da transação, ele embarcou de “carona” na mesma taxa que bancos especulavam para emprestar ao governo federal. Os 46,12% do ganho bruto de Paulo nada mais são do que uma representação dos rendimentos alcançados por bancos contra o governo brasileiro, quando eles emprestam bilhões de reais, no atacado.

O ganho de Paulo - ou de milhares dele - não repercute significativamente do ponto de vista absoluto (embora impressionem, em termos percentuais). É o volume gerido por bancos oriundos de seus instrumentos especulativos e do caixa de grandes empresas que representam, em termos absolutos, a sangria do orçamento do governo brasileiro.

O economista Thomas Piketty, em entrevista concedida ao programa Roda Viva, na TV Cultura, afirmou: “Alguns países estão pagando juros de suas dívidas públicas mais do que estão investindo em seus sistemas universitários, como a Itália e a Espanha. [...] Esta é a maneira correta de preparar o futuro, em particular para as próximas gerações? Certamente não.” Piketty não falou, mas no caso brasileiro, gastamos menos com toda a educação pública da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, da creche ao ensino superior, de materiais aos salários dos professores, do que com o gasto de juros da dívida pública federal. Mas, ao invés de barrar a sangria da dívida, o governo faz contingenciamento de 30% sobre os recursos da educação.

A farra do setor financeiro sobre recursos públicos é maior do que qualquer outra festa de horror provocada pela corrupção das empreiteiras, mensalões ou desperdícios. Em 2014, foram aproximadamente 200 bilhões de juros contabilizados sobre essa rubrica. Há ainda outro montante, sem transparência à sociedade, que também são juros, mas apropriados como correção monetária. Estimativas apontam outros 150 bilhões. Que dívida é essa, que consome tudo de tantos?

A situação ganha contornos complexos, pois cada vez mais bancos e agentes financeiros detêm, em última instância, participação em conglomerados empresariais, urbanos e rurais. Assim, o setor financeiro pode precificar, não somente as taxas de juros, mas a própria inflação, se decidirem influenciar o aumento de preços dos produtos e serviços das empresas sobre seu controle. Uma coisa é certa, o Brasil não promoverá ao seu povo justiça e soberania sem rever o relacionamento com o sistema financeiro, nacional e internacional.

terça-feira, 24 de fevereiro de 2015

Corrupção nas estatais

Semanas atrás alguns veículos de comunicação informavam que o atual ministro de Estado chefe da Controladoria-Geral da União (CGU) postulava criar uma secretaria para fiscalizar as empresas estatais. Ainda em estudo, a proposta adicionaria uma estrutura de auditoria paralela às demais existentes no órgão.

Ao que parece, a medida surge como resposta institucional aos escândalos de corrupção noticiados no sistema Petrobras e, à primeira vista, partiria de um pressuposto de ausência de estruturas organizacionais de fiscalização e controle no governo. A verdade, porém, é que não faltam instituições para acompanhar estatais. O que falta e faltou foi vontade política em priorizar, de forma sistemática e profunda esse acompanhamento, além de maior controle social.

Desde a redemocratização nenhum governo priorizou o controle nas estatais. Denúncias sobre conluios nas privatizações, escândalos na Sudam e Sudene permearam os governos Fernando Henrique. Com Lula, basta dizer que o mensalão iniciou com uma denúncia nos Correios e acabou por envolver o Banco do Brasil. O governo Dilma apresentou irregularidades nas Companhias Docas, no Banco do Nordeste, em Furnas e a própria reeleição foi ofuscada pela corrupção na Petrobras e sua ramificação na Operação Lava Jato.

Institucionalmente, no âmbito do Poder Executivo Federal, há inúmeras estruturas de controle: 1) O Ministério do Planejamento possui Diretoria para acompanhar e controlar as empresas estatais. O DEST; 2) A Presidência da República nomeia conselheiros de Administração e Fiscalização para também manter o controle; 3) A Casa Civil possui uma coordenação de controle interno que acompanha projetos estruturantes, muitos dos quais sob responsabilidade das estatais; 4) Toda empresa pública possui Auditoria Interna e, ainda, contrata empresas de auditoria externa independente. Ou seja, não faltam instituições, departamentos ou organismos de controle.

A própria CGU possui a Secretaria Federal de Controle Interno (SFC), estrutura que completou em 2014 o aniversário de 20 anos, e que tem como missão zelar pela correta aplicação dos recursos públicos. Isto é, a SFC já detém competência para auditar o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social- BNDES, a Petrobras, os Correios e tantas outras estatais.

Ocorre que nos governos Lula e Dilma a Secretaria Federal de Controle Interno, que detém 85% de toda a mão de obra na CGU, cumprindo ordens e diretrizes superiores, priorizou parte significativa de sua estrutura de fiscalização nas avaliações das transferências da União a Estados e Municípios. Uma opção política, contextualizada, dentro do desenho da chamada descentralização e municipalização. Quem repassa recursos também deve controlar sua aplicação.

Houve ênfase na alocação de servidores, recursos tecnológicos e logísticos na execução de trabalhos de fiscalização dos recursos que beneficiavam à população de forma direta, como a merenda escolar, o Bolsa Família, a manutenção de postos de saúde, a construção de escolas e distribuição de medicamentos.

Nos últimos 12 anos, estima-se que por conta dessa orientação do alto comando da CGU, a SFC alocou, no mínimo, 2 milhões de horas de auditoria fiscalizando programas federais geridos por municípios com até 50 mil habitantes, o que resultou em centenas de prisões de prefeitos, secretários, presidentes de comissões de licitação e outros agentes públicos. Já na Petrobrás, no mesmo período, foram alocadas aproximadamente 60 mil horas de auditoria. Os números dizem por si mesmo. É preciso ponderar que na gestão FHC existiam ainda menos auditores, orçamento e tecnologia.

A conclusão é que uma nova secretaria das estatais no âmbito da CGU, mais do que uma resposta efetiva à questão de governança, serve apenas para nos afastar do problema real. Tecnicamente é desnecessária, porque fragmenta e sobrepõe a outra estrutura competente e já existente. Politicamente é insustentável, afinal abre mais espaços de disputa partidária para cargos de livre nomeação, em área altamente sensível.

A sociedade está vigilante quanto ao futuro da CGU e deseja participar deste debate seja indiretamente, por entidades civis organizadas, ou diretamente, mediante consultas públicas. Exigimos mais controle social. Já os auditores da CGU esperam remédios institucionais efetivos, como a contratação de pessoal, aportes orçamentários e horas alocadas nas estatais.