segunda-feira, 10 de junho de 2013

PEC 37/11 Um desserviço à nação Brasileira

As investigações de crimes contra a administração pública, lavagem de dinheiro e sonegação fiscal devem ser prerrogativas de Órgãos e carreiras, em regime colaborativo. A exclusividade do inquérito policial para persecução penal desses casos só fragiliza a punição de culpados, além de favorecer nulidades processuais nas investigações em curso.

Atualmente, inúmeras investigações estão em andamento no Brasil. De igual modo, outros sem número de inquéritos são abertos diariamente, ficando muitos sem conclusão ou até mesmo prescritos. Isso ocorre porque o dia a dia das delegacias (roubos, furtos, lesões corporais, homicídios e tráfico de drogas) já consome todo o aparato e efetivo policial.

Considerando as características sociais do país, a extensão territorial e das fronteiras, a população e o rol de crimes elencados no código penal, não é razoável acreditar que somente uma organização (de modo exclusivo) dará cabo de todas investigações, comuns ou especiais.

Por conta da especialização, crimes contra a administração pública, lavagem de dinheiro e sonegação, por exemplo, muitas vezes são detectados por Órgãos e carreiras do Estado que lidam diretamente com esses assuntos.

Nesse sentido, Órgãos como a Controladoria-Geral da União, Receita Federal e Banco Central, quando detectam indícios de crimes, em geral, constroem relatórios com elementos conclusivos de autoria e materialidade. Embora não sejam considerados “inquéritos policiais”, formalmente, esses documentos respaldam propositura de ações pelos Ministérios Públicos ou aprofundamento das investigações pelas Polícias.

De forma que, considerando condutas criminosas cada vez mais sofisticadas, é retrocesso atribuir exclusividade nas investigações que respaldam as ações penais, pois o resultado em nada contribui para a sociedade. No limite, as demandas sobre casos de corrupção, lavagem de dinheiro e sonegação podem entrar na vala comum dos inquéritos, abrindo margens inaceitáveis para prescrições e favorecendo a impunidade.

No século XXI, precisamos fortalecer os instrumentos e a colaboração do aparelho de Estado, não o inverso. A burocracia deve reafirmar seu papel indutor do desenvolvimento e não atuar como apenas mais um instrumento de blindagem da corrupção política no país.



quinta-feira, 6 de junho de 2013

A crise dos direitos e o futuro de Salvador.*

A reforma tributária de Salvador (Projeto de Lei n.º 160/13), aprovada na madrugada desta quinta-feira, 05/06, contém uma manobra jurídica-contábil sem precedentes – 8,5 bilhões em direitos a receber da dívida ativa desaparecerão do Balanço Patrimonial Prefeitura.

Na prática, ao invés de verificar como se formou esse direito a receber e, simultaneamente, provisionar, baixar ou cobrar os devedores, a prefeitura opta por outro caminho – ceder 8,5 bilhões a uma empresa ou fundo a ser criado, possibilitando captar recursos no mercado financeiro com títulos lastreados nessa cessão.

Como isso vai funcionar?  O que de pior pode acontecer?

No Brasil, todo e qualquer ente federado tem o poder-dever de cobrar tributos e outras receitas. Em Salvador, esse poder revela-se na cobrança do IPTU, ISS e Impostos de Transmissão de Bens Imóveis, dentre outras rendas. Compete à Secretária Municipal de Fazenda promover a arrecadação.

Se o contribuinte não paga o devido, seu débito é registrado na contabilidade da prefeitura. No jargão do direito financeiro e tributário, surge a “dívida ativa”, isto é, um direito a receber que a prefeitura tem em relação ao contribuinte.

A “dívida ativa”, portanto, é o conjunto de débitos de terceiros em relação à prefeitura. Ou dito de outra forma: são direitos a receber da cidade em relação aos inadimplentes - pessoas físicas ou jurídicas. Nada tem a ver, portanto, com débitos da prefeitura com fornecedores, funcionários ou terceiros.

Quando a “dívida ativa” é paga, o direito se transforma em dinheiro e entra na conta da prefeitura. Com a transação, o nome do devedor é retirado da lista de inadimplentes (e sai do famoso “cadastro da dívida ativa”).

Contudo, enquanto houver “dívida ativa”, cabe à prefeitura, através da procuradoria da fazenda, encontrar meios e empenhar-se para localizar os inadimplentes e efetuar a cobrança.

De acordo com o relatório do vereador Waldir Pires, a prefeitura de Salvador tem 8,5 bilhões a receber de contribuintes. Até hoje, nenhuma administração conseguiu reduzir efetivamente esse montante, por meio de cobrança.  João Henrique, por exemplo, no último ano de mandato arrecadou apenas 50 milhões. Ora, para quem já tinha uma conta pública desaprovada pelo Tribunal de Contas, não é só leniência que explica essa pequena arrecadação, mas, com certeza, outros fatores.

Nesse ponto, há algo sintomático. Quais seriam as possíveis razões técnicas-administrativas para chegar nessa situação?
Em primeiro lugar, as próprias regras tributárias podem desestimular o não pagamento dos tributos, seja pela complexidade ou burocracia na apuração. Assim, por alguma dificuldade, os contribuintes não pagam os valores devidos e a dívida ativa segue aumentando.

Em segundo, os contribuintes podem não ter condições socioeconômicas para  arcar com o pagamento. Nesse caso, o valor é apurado e há disposição de pagar, mas não existe dinheiro suficiente para fazê-lo. Também aqui a dívida seguirá evoluindo.

Terceiro, a dívida pode ser artificialmente inflada de forma incremental, com multas, juros e encargos sobre os valores originais, ocasionando uma bola de neve que só faz crescer. Por fim, outras causas poderiam ainda ser investigadas, a exemplo da inexistência de uma estrutura burocrática capaz de fazer valer a cobrança propriamente dita.

De qualquer forma, ao menos no Balanço Patrimonial, a prefeitura de Salvador tem 8,5 bilhões a receber, mas não consegue cobrar. Contudo, a reforma tributária é silente sobre qual é o verdadeiro valor desse ativo, quem são os maiores devedores, em quais setores econômicos atuam ou se financiaram campanhas eleitorais.

Simplesmente, a reforma transferirá, num passe de mágica, 8,5 bilhões em direitos para uma empresa ou fundo a ser criado, que poderá usar esse direito para lastrear captações no mercado financeiro. Do ponto de vista contábil, essa transação será a maior manobra já realizada no Balanço Patrimonial da Prefeitura de Salvador - a dívida ativa se transformará em direito acionário, imediatamente.

Se a maior parte dos 8,5 bilhões a receber forem ativos incobráveis, numa expressão, “ativos podres” (como aparentemente é), a captação no mercado financeiro criará endividamento da prefeitura sem lastro ou garantia real correspondente.

Para lembrar aos desavisados. Em 2008, os EUA jogaram o mundo na maior crise do capitalismo pós 1929 utilizando essa mesma sistemática. Isto é, captar recursos e promover o endividamento no mercado financeiro, por meio de empréstimos sem lastros e garantias reais.